31 outubro, 2007

FERVE: Ao serviço da "prestação de serviços"

O trabalho independente em regime de prestação de serviços conta, desde Março de 2007, com o apoio de um movimento que visa a defesa dos direitos dos trabalhadores que passam “recibos verdes”.




O “Fartos/as d'Estes Recibos Verdes” (FERVE), é, como nos explica Cristina Andrade, uma das suas mentoras, "uma forma de dar visibilidade a esta modalidade de contratação laboral que abrange cerca de 800 mil trabalhadores, em todo o país. Pretendemos contribuir para que se possa criar um espaço de debate e consciencialização na Sociedade Civil sobre esta temática, que possa levar à mudança", acrescenta a fundadora.

A Cristina junta-se André Soares, a dupla constitui o núcleo fundador do FERVE embora, como nos adiantou a própria: "muitas pessoas entram em contacto e colaboram connosco". O blogue oficial da iniciativa - "fartosdestesrecibosverdes" - é exemplo disso mesmo.

Mas qual a real situação dos trabalhadores independentes, no nosso país?


Cristina esclarece-nos e começa por afirmar que este é um tipo de contratação "extremamente atractiva para as entidades empregadoras. Vejamos: teoricamente, uma pessoa que trabalha com recibos verdes é um/a trabalhador independente, ou seja, alguém que trabalha por conta própria, definindo o seu horário e local de trabalho e não estando sujeito a subordinação hierárquica. Será o caso, por exemplo, de um médico ou dentista que tem o seu próprio consultório. Sempre que qualquer uma destas premissas é incumprida, verifica-se uma situação de 'falso' recibo verde, ou seja, o trabalhador deveria ter um contrato de trabalho, visto estar a trabalhar por conta de outrem, e não por conta própria", declara a responsável por aquela associação e acrescenta: "Uma grande desvantagem para o trabalhador, mas vantagem para a entidade empregadora, é que o trabalhador tem as mesmas obrigações que qualquer trabalhador por conta de outrem mas, não tem as regalias que lhe estão inerentes".

Aprofundando um pouco mais a questão, a entrevistada avança com um exemplo concreto:"É dito a um trabalhador que receberá 1.000 euros por mês. Mas, a esta quantia, tem que subtrair o Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) - 20% - e a Segurança Social (SS) - no valor de 151,00 euros por mês - o que significa, após os pagamentos obrigatórios, que a pessoa ficará com 649,00 euros mensais". "Um trabalhador/a independente tem de pagar €151,00 por mês à SS, sendo que este desconto não lhe concede direito a subsídio de desemprego, de Natal ou de férias. Embora lhe permita aceder ao Sistema Nacional de Saúde (SNS) e também, a receber o pagamento da licença de maternidade".

A impunidade, é, no seu entender, uma das principais responsáveis pelo uso incorrecto dos recibos verdes. "Também o facto de o mercado de trabalho não ser tão dinâmico como se desejaria, o que faz com que as pessoas aceitem estas condições de trabalho", constatou.

Sectores de actividade mais afectados

"A utilização dos falsos recibos verdes é transversal, não só no que concerne a actividades profissionais como também a habilitações académicas. A título de exemplo, na Universidade do Porto (UP), 20 a 30% dos docentes e investigadores trabalham a recibos verdes. Contudo, esta situação é vivenciada nas mais diversas instituições de ensino superior, sejam elas públicas ou privadas", adiantou Cristina. Há, contudo, outras profissões igualmente afectadas: "arquitectos/as; engenheiros/as; arqueólogos/as; professores e formadores; jornalistas; actores; psicólogos/as; economistas; assistentes sociais; enfermeiros/as…". Uma lista que classificou como "demasiadamente extensa".

FERVE: efeitos práticos

O trabalho deste grupo tem vindo a contribuir para que algumas situações pontuais sejam alteradas, contudo a representante do FERVE afirma que apenas pretendem que a lei seja cumprida, considerando mesmo que "é demasiado cedo para podermos assistir a mudanças estruturais". Não deixa, contudo, de chamar a atenção para a importância dos trabalhadores falarem sobre o assunto, "a traze-lo para as suas conversas, a sensibilizar os seus pares, com a consciência que nada mudará do dia para a noite, mas com a certeza que nada mudará se ninguém nada fizer." Na sua leitura da situação actual, entende que esta "tenta contra todas as vitórias laborais conseguidas até hoje: estas pessoas são totalmente flexíveis, sem qualquer segurança. Não têm subsídio de Natal, férias ou desemprego. Podem enfrentar graves dificuldades quando decidem ter um filho ou ficam doentes por algum tempo. Os direitos laborais não foram 'dados', foram adquiridos".

Recibos verdes na primeira pessoa


Embora prefira manter o anonimato, uma funcionária da Universidade do Porto (UP) falou-nos da sua experiência enquanto prestadora de serviços, no seu primeiro ano de isenção: "actualmente encontro-me a trabalhar em regime de prestação de serviços desde Outubro do ano passado". "Até ao momento trabalhei para três instituições neste regime, todas elas públicas. Em duas das instituições, apesar deste regime de trabalho ser independente e sem qualquer vínculo à instituição, cumpria um horário de trabalho (que apesar de não ser imposto, era recomendado). Formalmente isto nunca me foi apresentado, mas tornou-se óbvio desde o primeiro dia.
Apesar de estar a desempenhar funções que correspondem à minha área de formação e que julgo serem bem remuneradas, considero a situação dos trabalhadores independentes ingrata, uma vez que, ao contrário do que diz a lei, grande maioria das pessoas nesta situação não podem gerir os seus horários de forma independente. Curiosamente as instituições públicas são as que alimentam grande maioria destas situações. Para recém-licenciados esta situação, apesar de não desejável, surge como uma alternativa bastante mais favorável do que estar sem emprego. Torna-se fácil exercer alguma pressão psicológica para que nos dediquemos única e exclusivamente à função que temos em mãos, deixando-nos assoberbados em trabalho limitando-nos as possibilidades de procurar outras formas de subsistência. Contudo, com o passar do tempo, a situação não evolui sendo a grande maioria dos projectos pessoais, e mesmo profissionais, adiados indeterminadamente".


O testemunho de jornalistas

A causa é comum a vários sectores de actividade. Exemplo disso foi o discurso proferido por João Pacheco um dos premiados, na cerimónia de entrega Prémios Gazeta, do Clube de Jornalistas (CJ). O evento, que contou com a presença do Presidente da República (PR), assinalou-se, no dia 25 de Setembro, no Convento do Carmo, em Lisboa. Contou com o discurso que passamos a transcrever: "Obrigado. Obrigado à minha família. Obrigado aos jornalistas Alexandra Lucas Coelho, David Lopes Ramos, Dulce Neto e Rosa Ruela. Obrigado a quem já conhece "O almoço ilegal está na mesa", "A caça à pedra maneirinha" e "Guardadores de sementes". Parabéns aos repórteres fotográficos, Nuno Ferreira Santos e Rui Gaudêncio - co-autores das três reportagens - com quem vou partilhar o prémio monetário. Parabéns também ao Jacinto Godinho, ao Manuel António Pina e à “Mais Alentejo”, que me deixam ainda mais orgulhoso por estar aqui hoje.Como trabalhador precário que sou, deu-me um gozo especial receber o prémio Gazeta Revelação 2006, do Clube dos Jornalistas. A minha parte do dinheiro servirá para pagar dívidas à Segurança Social. Parece-me que é um fim nobre. Não sei se é costume dedicar este tipo de prémios a alguém, mas vou dedicá-lo, a todos os jornalistas precários. Passado um ano da publicação destas reportagens, após cerca de três anos de trabalho como jornalista, continuo a não ter qualquer contrato. Não tenho rendimento fixo, nem direito a férias, nem protecção na doença nem quaisquer direitos caso venha a ter filhos. Se a minha situação fosse uma excepção, não seria grave. Mas como é generalizada - no jornalismo e em quase todas as áreas profissionais - o que está em causa é a democracia. E no caso específico do jornalismo, está em risco a liberdade de imprensa".

A opinião dos sindicatos

Contactado pela FN, Artur Monteiro, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte (STFPN) considera que "a definição de prestação de serviços está devidamente enquadrada na legislação fiscal, no art. 3º do Código do IRS. Uma prestação de serviço, pressupõe independência/autonomia total – hierárquica, horário, disciplinar, técnica, etc. Em conclusão, toda a contratação de prestação de serviços, não enquadrada nestes pressupostos legais, é fraudulenta e ilegal".
Apesar de não ter conhecimento do FERVE, o coordenador considera importante este tipo de iniciativas e afirma mesmo ter conhecimento da prática e utilização do recurso a esta contratação fraudulenta e ilegal por parte da Administração Pública (AP), quer Central quer Local.


Texto: Daniela Costa
Fotos: Manuel Ribeiro

27 outubro, 2007

Robert Rauschenberg em Serralves

Inaugurada a 26 de Outubro, "Travelling '70-'76 " dá o título à primeira grande exposição da obra de Robert Rauschenberg, em Portugal.


Patente no Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS) até 30 de Março de 2008, o certame reúne 65 trabalhos do artista norte-americano. Rauschenberg, actualmente com 82 anos, fez questão de estar presente na inauguração. Apesar das visíveis dificuldades em termos de mobilidade e locomoção (foto), o artista mostrou-se sempre sorridente e receptivo a todos os curiosos que fizeram questão em marcar presença no primeiro dia da exposição.
Fruto das inúmeras viagens que fez pelo mundo, a sua obra reflecte os materiais e características dos lugares por onde passou. Rauschenberg foi um dos primeiros artistas contemporâneos a explorar as contradições de Veneza. A sua passagem pela Índia deixaria, também, as suas marcas. As colaborações que estabeleceu, com artesãos locais, revelam o fascínio pelos tecidos e cores daquela cultura.

Texto: Daniela Costa
Foto: Manuel Ribeiro

24 outubro, 2007

A Poesia de novos talentos - Paulo de Sousa Alcoforado

A Freelance News (FN) entrevistou um jovem escritor, autor do livro "Reticências...". Em discurso directo, Paulo contou-nos o porquê do livro, o porquê do seu título, ou alguns outros porquês...

De seu nome Paulo de Sousa Alcoforado. Nascido, reza o próprio, numa noite de Inverno, corria o ano de 1981. O seu interesse, desde cedo se voltou para uma compreensão mais profunda das diferentes pessoas e contextos que entravam na sua vida, procurando perceber não só comportamentos visíveis e significados, mas também vivências pessoais e emoções. Com base nesse interesse veio a licenciar-se em Psicologia, pela Universidade do Porto (UP). Na busca pela essência visível e invisível de cada indivíduo, o gosto pela escrita foi inevitavelmente crescendo…, diz Paulo, em ramos de sentimento, o fruto de diferentes paixões. Actualmente, o seu percurso como escritor e enquanto pessoa vai sendo construído no dia-a-dia, junto de seres vivos, artefactos e lugares, tanto do quotidiano como do ocasional, tal como nos contou na primeira pessoa:

(FN) - Porquê Reticências?
(PSA) - É um título que está bastante ligado ao conteúdo, no sentido metafórico, e que em certa medida enquadra a sua essência. Numa descrição superficial, é um livro sobre a busca por nós próprios e por um subtil sentimento de proximidade... sobre a ilusão e a desilusão no muitas vezes complexo processo de construir uma vida no plano mental e sentimental, para além do que é meramente material. Fala sobre a comunicação nas entrelinhas que é feita na tentativa de construção de um percurso a dois... sobre tudo que é dito, e sobre tudo o que fica por dizer.

(FN) - Fale-nos do lançamento do livro...
(PSA) - O livro foi lançado recentemente, no dia 5 de Outubro de 2007, num evento da editora que decorreu no bar Blá Blá. Entretanto, teve já algum contacto com o público, tendo por exemplo, sido feita uma apresentação na Fnac do Gaia Shopping, no dia 19 do corrente mês.

(FN) - Em termos de número de exemplares, como tem sido a receptividade dos público?
(PSA) - Para já o livro é recente, começando agora a estar em mais locais de venda presenciais e on-line. Tem sido divulgado não apenas por mim e pela editora, mas também espontaneamente pelos próprios leitores, que têm sido fantásticos! Portanto, para já posso dizer que tem sido bem recebido pelas pessoas, o que é muito gratificante.

(FN) - Como surgiu a ideia de escrever um livro de poemas?
(PSA) - Esta ideia surgiu de um gosto pela escrita e pela leitura, em geral, aliado a uma busca por uma compreensão mais profunda das vivências e contextos que nos rodeiam no quotidiano. Tendo o hábito de escrever, achei que seria interessante a algum ponto dar a conhecer um pouco desses trabalhos. Interesso-me também por outros estilos de escrita, mas a poesia foi o ponto de partida.

(FN) - Há quanto tempo os seus poemas estavam a 'ganhar pó' na gaveta?
(PSA) - Esta é uma questão engraçada, a do "escrever para a gaveta"... costuma ser um tema de conversa, até mesmo entre autores já publicados. Eu acho que há outras formas de ver este aspecto: eu diria que se resume essencialmente à disponibilidade da pessoa em partilhar com os outros (o grande público) aquilo que escreve. Nem toda a gente está disposta a partilhar algo que é muitas vezes pessoal (seja auto-biográfico ou não) com o resto do mundo. Na maior parte dos casos, a escrita é em essência um acto relativamente individual e pessoal. Mas se se escolher o caminho da partilha, é preciso ter em mente que a dada altura será preciso "dar a cara" pelo que se escreve, e estar envolvido activamente na divulgação. A gaveta é um local de treino e aperfeiçoamento seguro... mas a verdade é que a escrita não se esgota no acto de escrever, e quem quiser trilhar esse caminho tem de ter consciência que terá de dar o primeiro passo no sentido de "abrir a gaveta ao mundo", mesmo que parcialmente, para o conseguir fazer.

Portanto, uma vez tomada essa decisão, com resolução, chega a altura de se dar a conhecer, colocar os poemas onde as pessoas os possam ler, estar preparado para ter feedback (quer seja positivo ou negativo), e a partir daí estar disposto a aperfeiçoar-se. Isto porque na escrita, tal como na vida, uma recusa em evoluir pode significar o risco de estagnar.

Felizmente, assim que tomei essa decisão de dar a conhecer o meu trabalho não tive de esperar muito, tive a sorte de ter tido respostas e reacções relativamente rápidas. Sei que isso muitas vezes não acontece, no panorama editorial português, podendo haver períodos de espera de um ou mais anos. Em Portugal existem escritores de talento que a dada altura se dispõem a divulgar o seu trabalho, mas que acabam por permanecer no anonimato por questões de outra ordem, acabando eventualmente por desistir (para prejuízo de todos nós). O empenho na divulgação e evolução, e a perseverança, assumem assim uma importância fundamental, na minha opinião.

(FN) - Tem planos para lançamentos além fronteiras?
(PSA) - A intenção existe, sem dúvida! Ainda é no entanto prematuro falar de planos concretos. No meu caso, gosto de escrever em português e também em inglês, como se pode constatar neste meu primeiro livro, exactamente por considerar que a poesia vive para além de qualquer fronteira desde que a barreira da linguagem e cultura não sejam impeditivas.

Em Portugal, há muitas pessoas que gostam de poesia, mas o mercado apesar de estável ainda é pequeno, pelo simples facto que o orçamento de cada um é geralmente aplicado em áreas mais pragmáticas ou imediatas. Existem também outras formas de cultura que estão bastante mais institucionalizadas, estando por vezes a leitura relegada para segundo plano. O lançar além-fronteiras permite pelo menos dar a conhecer o que se escreve a um leque mais abrangente de pessoas que possam partilhar desse gosto pela leitura.

O meu blog 'Reflexos de Meia-Noite' (http://www.reflexosmeianoite.blogspot.com/) é um primeiro passo intencional nesse sentido, contando já com alguns leitores tanto de Portugal como do Brasil.

(FN) - E planos para outro livro de poemas?
(PSA) - Sem dúvida. Desde o princípio que vejo este primeiro livro como um começo, e não tanto como um objectivo final. Tanto quanto o tempo o permite, esse plano está já em pleno andamento :) A partir daí, será o recomeçar de um esforço que esteve presente já para a concretização do primeiro livro.

(FN) - Ainda em matéria de planos e projectos, gostaria de escrever algo para além da poesia?
(PSA) - Gostaria bastante. Para além de poesia, escrevo também pequenos textos de prosa poética e contos breves. Em geral, gosto de todas as aplicações da escrita, e de vários géneros literários. Assim que tiver disponibilidade, gostaria de abraçar outros géneros de escritas, mais extensos. O tempo nem sempre o permite, mas faz-se um pouco de cada vez (risos).


(FN) - O lançamento deste livro é um sonho tornado realidade?
(PSA) - Fiquei bastante contente, sem dúvida (risos). No entanto, não diria que o lançamento do livro é o cumprir de um sonho propriamente dito... vejo-o mais como um passo, um primeiro passo num caminho em construção, por oposto a um objectivo. Os sonhos encontram-se talvez mais à frente nesse caminho, mas sempre com o que vem a seguir em mente. Os sonhos vão-se construindo e renovando a cada dia!

(FN) - De todos os poemas que compõe o teu livro há algum de que goste especialmente?
(PSA) - Isso poderia ser quase o equivalente de perguntar a um pai qual dos seus filhos prefere (risos). Mas falando a sério, como autor confesso um afecto especial por todos os textos, desde o mais simples até ao mais elaborado, por partilhar com eles o contexto no qual surgiram. Cada um tem para mim um significado especial. Assim, responderei a essa questão com uma escolha de qual se poderia aplicar melhor a este contexto... optaria por um excerto do único texto de prosa poética incluído, intitulado 'Metáforas ao Vento'.

Convidado pela FN a citar parte do seu poema de eleição, Paulo, termina a entrevista deixan-nos com "a reminiscência de uma Primavera que já vai por esta altura longe":

'"A Primavera havia finalmente chegado. Sentado na foz, neste velho banco de pedra próximo do oceano, as memórias pareciam sempre fluir como as marés de um oceano interminável. Uma leve brisa corria, transportando consigo o aroma do mar ao pôr-do-sol, em complemento do suave som da água salgada nas margens rochosas artificiais. Fim da tarde, mas quando estamos mergulhados em pensamento, o tempo parece sempre que ou pára ou voa num momento perdido."


Paulo de Sousa Alcoforado



Texto: Daniela Costa
Fotos: DR